01/06/2015

PN Serra do Cipó: Travessia Duas Pontes x Retiro

Travessia: Duas Pontes - Travessão - Tombador - Portaria Retiro: 25.8km
Disponível no Wikiloc.


Caminhada de nível difícil para experientes e muito difícil para iniciantes, que se inicia nas proximidades da pousada Duas Pontes (no alto da Serra do Cipó), desce até o Travessão e segue pelo vale do Bocaina até a portaria Retiro, passando pela cachoeira do Tombador e do Gavião. Foram 25,8km segundo o GPS, percorridos em 14h, sendo 3km de um trecho totalmente sem trilha, ora pelas margens, ora pelo leito do rio. A descida da cachoeira do Tombador também merece MUITA atenção, mas é possível fazê-la sem equipamentos. Uma trilha pra ser feita em dias sem chuva, já que uma parte do trajeto é pelas rochas do leito do rio.

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1ª parte: BH x Serra do Cipó
Chegamos no distrito de Serra do Cipó na noite de sexta. Embora fosse feriado, o movimento na MG-010, que liga BH à região do Cipó, estava bem tranquilo. Tratamos logo de dormir, pois queríamos acordar cedo (mas não madrugar) para conseguir uma carona até a pousada Duas Pontes. Começar cedo a caminhada também implicava em mais tempo para percorrer todo trajeto, já que havíamos decidido por não levar material de camping, e assim andar mais rápido e cansar menos.


Acordamos um pouco antes das 7h, com o dia bem bonito, com poucas nuvens e o céu muito azul. Era nossa primeira vitória, já que a previsão do tempo dos dias anteriores indicava sol com nuvens e possibilidade de pancadas de chuva (mas como falei com a Giulia, “é só previsão”). Tomamos café e rapidamente arrumamos nossas mochilas, deixando no carro o que não era necessário. Antes das 7h30 já estávamos em frente à agência dos Correios, pedindo carona. Sabíamos que havia um ônibus da Saritur que saía de BH 6.30h, então, na pior das hipóteses, estaríamos no começo da trilha por volta de 9h.


Muitos carros passaram, alguns motoristas nem olhavam e outros indicavam que o carro estava cheio, ou que iam parar por ali no Cipó. Ficamos algum tempo até que um Fiat Uno parou nos oferecendo carona. O motorista ia pra Conceição do Mato Dentro com mais um casal e o filho pequeno no carro, disse que iria parar na famosa Padaria do Cipó pra tomar café, mas que depois seguiria viagem. Fomos com eles até a padaria, que estava bem cheia. Enquanto a Giulia vigiava o pessoal do Fiat Uno, fiquei na beira da estrada conversando com o Seu Silvério, mais conhecido como Nenego (como ele mesmo diz), e de olho no ônibus da Saritur.


Com a padaria cheia, o pessoal do Uno demorou um pouco, mas ainda saíram antes da chegada do ônibus. De carona subimos até o início da trilha, com uma MG-010 com um bom movimento de carros indo no sentido de Conceição do Mato Dentro. Em poucos minutos chegamos à entrada da pousada Duas Pontes, nos despedimos  e começamos nossa pequena jornada pela Serra do Cipó, às 8h40.


2ª parte: Duas Pontes x Travessão
A porteira onde a trilha se inicia está quase de frente pra entrada da pousada Duas Pontes, aproximadamente no KM 110 da MG-010. Dentro da propriedade é possível ver uma placa de VENDE-SE, que, pelo que já vi na internet, está lá há muito tempo. A trilha inicial é basicamente uma estrada de fazenda, que vai subindo levemente pelo relevo da região, até encontrar uma outra porteira, com um pequeno outdoor que indica que estamos entrando no Parque Nacional da Serra do Cipó.


Highlands

Daqui a estrada de fazenda continua e algumas bifurcações já aparecem, embora, pelo que já li, todas levem ao vale do Travessão. Um pouco mais à frente encontramos um morro arredondado, que dá uma visão de 360º de toda a região. Ainda estamos longe do vale, mas é possível avistar a depressão do terreno e as nuvens que ainda não dissiparam por lá. Paramos para tirar algumas fotos nesse trecho e continuamos seguindo, sempre mantendo à esquerda nas bifurcações, caminhando paralelamente à cerca do ParNa Cipó. Quando a cerca vira 90º graus à esquerda, encontramos um dos marcos com as coordenadas da área do parque, após esse ponto começa uma longa descida até o primeiro ponto de água.


Chegando no primeiro riacho a vegetação muda bastante. Os campos rupestres e gramíneas dão lugar a arbustos e pequenas árvores. Após cruzar a água, passamos por uma extensa área de samambaias até a altura do peito, que deixa a trilha visualmente estreita. Após as samambaias a trilha descreve uma leve subida onde, à esquerda, avistamos algumas quedas d’água e poços, que a jusante formam aquele riacho que cruzamos. Neste trecho há uma porção de Sempre-vivas, um pouco diferentes das que costumo ver por aí. Após ladear o afloramento rochoso, passamos por algumas pinturas rupestres e começamos a descida final rumo ao vale do Travessão.


Travessão: vale do rio do Peixe

Na descida final a trilha se confunde com o campo rupestre, mas é só seguir descendo até um lajeado, onde há outro riacho, só que com menos água que o primeiro. Aqui há uma trilha visível que segue pelo outro lado do riacho, mas termina mais a frente, já que a descida até o vale por aqui é bem íngreme. Pra quem deseja seguir direto até o vale, ao chegar no lajeado, basta manter a margem esquerda, pegando uma trilha que começa um pouco a frente (há um totem indicando o caminho correto).


Após aproximadamente 4h, de trilha bem tranquila e muitas paradas para foto e contemplação, chegamos ao Vale do Travessão. Aqui paramos para almoçar um sanduíche, sempre sofrendo muito com os mosquitos que não pararam de incomodar um minuto sequer. Descemos mais um pouco e deixamos nossas mochilas na sombra de um arbusto, subindo para o mirante central do Travessão só com as câmeras. A visão aqui é magnífica. Compensa cada passo. A vontade era de ficar por lá até o final do dia, mas tínhamos que continuar.


3ª parte: Travessão x Cachoeira do Tombador:
Descendo do mirante mais alto, voltamos para pegar nossas mochilas e seguimos à direita do Travessão, no sentido Tombador e vila da Serra do Cipó (oeste). Antes passamos em um pequeno poço, para refrescar o corpo e ver se espantávamos um pouco dos mosquitos que consumiam nossa paciência. Foi um mergulho bem rápido. Logo vestimos nossas roupas e voltamos para começar a parte mais difícil do trajeto, os três quilômetros sem trilha até o alto da cachoeira do Tombador.


O primeiro passo era atravessar o riachinho que forma o poço que entramos mais acima. Queríamos evitar a vegetação mais fechada e atravessar em um ponto seco, sem precisar tirar as botas. Conseguimos isso alguns metros pra baixo do poço, mas antes quase passamos por dentro de uma teia de uma aranha bem grande (era a primeira de muitas).



Começamos a parte sem trilha pela margem direita, avançando sobre um mar de canelas-de-ema consumidas pelo fogo de um incêndio anterior (provavelmente da estiagem de 2014). Aliás, o fato de grande parte deste trajeto ter sofrido com um incêndio recente contribuiu para que pudéssemos avançar com mais facilidade, pois deixou o terreno bem limpo em alguns pontos.


Como havia muitas pedras no leito do rio e a vegetação na margem direita ia ficando cada vez mais densa e maior, imaginei que seria mais fácil seguir pulando pedra. Tentamos fazer isso por alguns metros, mas logo percebi que havia um poço grande mais abaixo, que nos impediria de seguir pelo leito. Neste ponto pulamos para a margem esquerda, que tinha uma mata ciliar mais esparsa que nos permitiu ultrapassar o poço. À partir deste poço, o terreno do lado esquerdo possuía uma inclinação muito grande, que dificultaria nossa passagem, aí pulamos para a outra margem.


Foi um troca-troca constante de lado, tentávamos ao máximo evitar as partes de vegetação mais fechada e os terrenos mais inclinados. À partir de um ponto, que não sei precisar, o leito do rio fica um pouco mais largo, com inúmeras pedras e pouca ou nenhuma vegetação sobre essas pedras. Neste ponto avançamos o máximo pelo leito do rio, pulando de pedra em pedra.


Quando o GPS indicava a aproximação de um afluente da margem direita, o leito do rio se dividiu em dois. Seguimos pela esquerda, parte mais seca, embora com muitos galhos. Podíamos escutar o barulho de uma cachoeira, enquanto nos aproximávamos do ribeirão. Já mais perto do afluente, decidimos seguir pela margem direita, aparentemente o caminho feito no tracklog. Aqui parecia que não encontraríamos uma saída, para todo lado a vegetação estava bem fechada. Estávamos a poucos metros do ribeirão, conseguíamos ver a cachoeira mais acima, mas estava bem difícil passar pela mata ciliar. Foi então que a Giulia encontrou uma saída mais fácil para o leito do ribeirão, e logo chegamos nele. (A cachoeira em questão era a Fantasminha)


Um dos poucos trechos em terra firme

Seguindo pelo leito do ribeirão rapidamente chegamos ao leito do rio principal, que forma a queda do Tombador adiante. Seguimos um pouco pelo rio, mas ficava cada vez mais complicado. As pedras do leito estavam cobertas por arbustos bem densos, mal dava pra ver onde pisávamos, e as pedras estavam bem escorregadias. Ultrapassamos a mata ciliar e, mais uma vez, estávamos na margem direita. Seguimos com certa facilidade entre pequenos arbustos esparsos, mas nos aproximávamos de outra mata fechada com muitas árvores. Fomos nos aproximando até que visualizei um ponto de passagem para a outra margem, com vegetação bem mais baixa.


Atravessamos o leito pisando em qualquer coisa sobre a superfície. Ao tentar subir uma pedra mais alta, meu pé de apoio acabou escorregando em uma pedra do leito e acabei com os dois pés na água, o suficiente pra encharcar o par de botas. Meio molhado avançamos por mais canelas-de-ema queimadas, com alguma facilidade, até encontrar a mata ciliar mais a frente. Já estávamos bem perto do topo do Tombador, então voltamos para o leito do rio e lá seguimos pulando pedra até chegar ao alto da cachoeira.


4ª parte: Descida pela Cachoeira do Tombador
Foi bom chegar ao topo do Tombador, sabíamos que ali embaixo haveria uma trilha bem batidinha, que nos levaria até a portaria do Parque e, depois, pra casa. Só um PEQUENO detalhe (de mais ou menos uns 20 metros) nos separava do nosso destino, a queda do Tombador. Descemos um pouco pela esquerda da queda, parte que não estava passando água (mas escorregadia também), até chegar num ponto crítico.


Ainda estávamos a uns 6-7 metros do poço superior da cachoeira, quando as rochas formam uma parede quase vertical e lisa com um pouco mais de dois metros de extensão. Neste momento fiquei sem saber o que fazer. Descer pelos degraus por onde a água passava era pedir pra escorregar e despencar até o poço. Pular de lá pra água também era uma péssima ideia, já que o poço nem parecia tão fundo. Ladear os morros também parecia impossível. Voltar, então, nem cogitava essa hipótese.

Visão do topo


Fiquei calado, pensando em qual decisão tomar, mas tendo em mente que pessoas já haviam descido por ali. Foi aí que olhei com mais carinho para três caules (um pouco finos, é verdade, mas maleáveis), que se curvavam para baixo. Era nossa chance, agarrar aqueles três caules até conseguir um apoio para o pé, mais abaixo no paredão. Fiz uma espécie de teste de carga neles, me pareceram firmes na rocha e decidi arriscar. Deixei a mochila com a Giulia, que também segurava os caules, pra aliviar a tensão, e me dependurei nos três de uma vez, para distribuir o peso.


Descendo de barriga pela pedra consegui um apoio mais abaixo, ainda sem saber se seria possível descer mais que aquilo. Fui me agarrando a todos troncos e raízes e via, desci mais um pouco até ter a certeza: vamos conseguir. Pedi pra Giulia jogar as mochilas e dei um apoio pra ela descer. Rapidamente chegamos no nível do poço do primeiro poço e descemos a segunda queda, que era bem mais tranquila.


Já era por volta de 17h, gastamos aproximadamente 3:30h para fazer os 3km sem trilha que separam o Travessão da parte baixa do Tombador. Comemos e demos nosso merecido mergulho. Foi tudo bem rápido, o sol se abaixava rapidamente e ainda tínhamos 10km até chegar na vila do Cipó.


5ª parte: Tombador x Retiro
Depois de uma parada relativamente rápida no Tombador, que tem um belo poço, embora não seja tão profundo, seguimos viagem. Seriam aproximadamente mais 10km caminhando noite a dentro, até chegar ao nosso destino.


A trilha de volta começa bem marcada, o que era um alívio pra gente depois de tanto vara-mato. Em poucos minutos reencontramos o rio Bocaina (que forma a cachoeira), num trecho que quebrou nossa cabeça. Em que pese os seguintes fatores: não conhecíamos esse trecho da pernada, ao se aproximar do Bocaina a trilha se confunde com as pedras do leito, estava quase escuro (lusco-fusco), tínhamos que atravessar o rio e a vegetação era mais densa. Ficamos sem saber pra onde ir. Era claro que precisávamos atravessar o rio, o GPS indicava isso e nós sabíamos que a trilha chegava na cachoeira do Gavião pela margem direita, o problema é que não encontrávamos a bendita trilha do outro lado.

Tombador, poço superior


Descemos um pouco pelo leito e entramos numa área mais aberta da margem direita, mas logo virava um caminho sem saída, com vegetação bem fechada. Voltamos para o rio e descemos ainda mais, mas ficava cada vez mais difícil avançar pelo leito, além disso, a mata ciliar também se fechava ainda mais sobre o rio. Sob protestos da Giulia, que sempre desconfiou que a trilha do Parque não seguiria pelo leito do Bocaina, voltamos ao lugar onde encontramos o rio. Com a ajuda da lanterna, consegui visualizar uma pontinha de trilha à direita de onde chegamos no Bocaina (como se estivéssemos voltando). Alívio geral, seguimos na pernada, agora já pelo começo da noite, com as estrelas aparecendo no céu.


Mesmo a noite (claro que com a ajuda da lanterna), a trilha não apresentou maiores dificuldades. Minha preocupação era na chegada a cachoeira do Gavião, porque haveriam muitas pedras e perderíamos o rastro da trilha, mas quando chegamos lá foi bem tranquilo. Ainda sentamos um pouco para descansar, tomar água e contemplar um pouco do céu estrelado.

Do Gavião até a portaria do Parque a trilha é bem tranquila, praticamente plana com poucos trechos de subida e descida, que só ocorrem nas proximidades dos pequenos afluentes do Bocaina. Já ia me esquecendo: entre Tombador e Gavião, passamos por outra cachoeira (conseguimos ouvir o barulho), que não consta como atrativo do Parque Nacional. Pela indicação no GPS, trata-se da Cachoeira da Erika. Seguimos caminhando noite adentro e, já chegando na portaria 2, ao passar pela casa de um dos moradores do Parque, fomos denunciados pelos três cachorros. Sob um céu repleto de estrelas, continuamos na pernada ouvindo apenas latidos distantes, o coaxar dos sapos e nossos passos na terra. Quando chegamos no calçamento, já a poucos metros da portaria, descansamos mais um pouco. Os pés clamavam por salvação.


Ultrapassamos uma portaria vazia e com os portões abertos, seguimos pelo calçamento, já avistando os primeiros postes de iluminação. Quando a rua descreve uma curva à direita, para desviar da área de um condomínio, dando uma imensa volta para quem só queria chegar, não pensamos duas vezes: pulamos a porteira. Passamos por um grupo de vacas, que ficaram só assuntando. O condomínio ainda está deserto, exceto pelos gados e cavalos, mas todo cercado e com portaria (também deserta). Poupamos preciosos passos passando por dentro e seguimos na infindável jornada, já caminhando pela última descida, que leva até a Padaria Cipó. Já era por volta de 22.30, a padaria há muito estava fechada, paramos em um bar qualquer para tomar um merecido refrigerante, depois de tanta água de rio e mato.

Depois de quase 26km caminhando, em 14 horas, a jornada chegava ao fim. Pegamos o carro e seguimos pra Belo Horizonte na mesma noite, por uma estrada praticamente sem movimento, no meio de um feriado. Foi mais difícil que pensávamos, mas valeu cada passo. O Travessão é de uma beleza singular, merece uma visita, nem que seja de bate-volta (pela trilha, rs). Caminhar pelo vale do Bocaina também foi uma grande experiência, muito em virtude dos desafios impostos pela ausência de trilhas. Estamos preparados para mais.



COMO CHEGAR:
De carro, saindo de Belo Horizonte, siga pela MG-010 para a Serra do Cipó. A entrada da trilha fica próximo a Pousada Duas Pontes. É possível deixar o carro na pousada. Como é uma travessia, a melhor logística é deixar o carro próximo ao ponto final e seguir de carona ou ônibus até o ponto inicial.

De ônibus há linhas regulares da Viação Saritur ou Serro. Peça ao motorista para descer nas proximidades da Pousada Duas Pontes. Na volta também é possível tomar o ônibus no distrito de volta para BH. Fique atento aos horários, principalmente da volta.

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