11/07/2015

Travessia Santana do Riacho x Tabuleiro


Essa é uma variante da tradicional Lapinha x Tabuleiro, só que um pouco mais longa e atravessando áreas particulares (pertencentes a uma indústria têxtil), com acesso controlado. Foi feita como trabalho de campo da disciplina de Fitogeografia, em 1º/2015. Talvez algum gaiato que queira fazer Fito nos próximos anos caia nessa página. Fique sabendo que a caminha é bem tranquila.

Foi uma travessia bem mais tranquila que as tradicionais no quesito esforço físico e logística. Primeiro que um ônibus da UFMG nos leva até Santana do Riacho e nos busca em Tabuleiro. Como nem todos estão acostumados e/ou não tem preparo pra pernada, o professor opta sempre por alugar mulas, que levam as bagagens (o material de sleeping e a barraca, principalmente). Então, mesmo percorrendo mais de 50km em três dias, andamos bem mais leve e cansamos menos.

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1º: Santana do Riacho x Lapinha da Serra (via Represa)

A caminhada mesmo tem origem na sede de uma indústria têxtil nas proximidades do centro de Santana do Riacho. Essa mesma indústria é responsável pela represa que existe mais acima. O primeiro dia é praticamente só subida até um patamar mais elevado, já no mesmo nível que Lapinha da Serra. A subida começa seguindo um aqueduto, até interceptar uma estrada. Daí seguimos por esta até o fim da mesma. Nesta subida passamos por uma cachoeira, formada pelas águas que descem da represa, muito bonita por sinal. Infelizmente era começo de jornada e não tivemos tempo para nos refrescar um pouco.

A estrada termina e reencontra o aqueduto. Aqui enfrentamos uma subida bem forte, sem trilha demarcada, que nos leva até o ponto mais alto do primeiro dia, o GPS marcou 1206m. É o fim das subidas pesadas do primeiro dia, daqui encaramos uma leve descida até a casa do barrageiro e atravessamos pelo dique da represa (essa travessia da barragem é controlada pelo próprio barrageiro, que tá sempre por lá. Provavelmente ele impede a passagem quando não há autorização prévia. Não sei se há trilha batida para contornar a represa pelo outro lado).

Após atravessar o dique, entramos por uma trilha bem demarcada e seguimos, praticamente, paralelos ao lago. Há alguns pontos mais úmidos e algumas travessias de água, mas nada se comparada ao Atoleiro.  Depois de passar por uns trechos de cerrrado, de repente abre um descampado, com mais ou menos 70m de extensão. Entre os dois trechos de cerrado muitas taiobas aparecem entre os capins, sinal de que tem muita água por ali. A melhor opção aqui é tirar as botas, as meias e levantar a barra da calça, até a altura do joelho, se for possível. Por mais paciente e tranquilo que você seja nessa travessia por uma espécie de charco, uma hora ou outra você vai escolher o pior caminho e vai acabar afundando a perna em algum buraco. Como estava descalço ia pisando de qualquer jeito e acabei enfiando a perna num burado até a altura do joelho. A melhor maneira é ir pisando nos tufos onde brotam os capins. A trilha não passa por dentro do charco, ela descreve uma barriga que provavelmente dá a volta nessa parte, mas a preguiça nos impediu de segui-la.


Seguimos por um trecho bem preservado de cerrado e rapidamente apareceram as primeiras casas e pastos de Lapinha da Serra. Mais um pouco de pernada e estávamos no centro da vila, tomando uma merecida cerveja.

Antes de escurecer seguimos para a casa da Dona Naná, pois lá seria nossa pernoite. Como as bagagens já haviam chegado, tratei logo de montar a barraca. Era a primeira vez que usava a Quechua Arpenaz 2. Bem compacta e fácil de montar. Só fico com a sensação de que não consigo colocar tudo direito, porque não há um alinhamento entre as costuras da cobertura e as varetas, ela fica meio torta.

O que não pode faltar quando se acampa na Lapinha são os espeques da barraca (aqueles grampos de metal). Lembre-se de fincar bem no chão, caso contrário sua barraca pode desmoronar ou sair voando no meio da noite. É só o Sol descer que começa uma ventania incrível na Lapinha. Sempre que estive lá foi assim. Cheque seus espeques!

A janta na Dona Naná foi só fartura, assim como o café da manhã. Outro ponto positivo pra logística desse tipo de travessia, já que só levávamos na mochila de caminhada um lanchinho pontual, nada que pesasse muito, o que contribuía bastante pra andada.

Neste dia caminhei 13,8km.

2º Lapinha da Serra x Casa do Seu Zé e da Dona Maria

A partir do segundo dia, seguimos o caminho da travessia tradicional, iniciando a longa subida do maciço do Breu. Terminando a subida, abre a nossa frente um extenso campo de altitude. Primeiro cruzamos o córrego do Lajeado, que forma uma cachoeira homônima a jusante. Depois de mais um morrote já estávamos no vale do rio Parauninha, que serpenteia pelo alto da serra até descer e passar na entrada de Santana do Riacho.


Atravessamos o Parauninha próximo a uma curva de rio, que forma uma bela praia de areia branca. Um bom lugar pra passar a noite, desde que não haja chuva a montante deste trecho do rio. Um tapete de girinos cobria uma margem dessa curva. Eram tantos que era fácil pegá-los com a mão. As águas do Parauninha são uma excelente oportunidade de banho e refresco no meio da travessia.

Nosso descanso foi rápido, creio que 1h30 no rio, para descansar, banhar e comer. Daqui seguiríamos para a casa do Seu Zé d’Olinta, local da nossa pernoite. Depois de atravessar o Parauninha temos uma longa e suave subida pela frente, até o paredão. Fomos de encontro à parede e por ela margeamos até encontrar o ponto de subida, com inclinação igual ou pior daquela primeira subida do dia, lá na saída da Lapinha.

Após o paredão, com ampla vista pro Pico do Breu, subimos mais um pouco até encontrar a cerca que delimita o Parque Monumento Natural do Tabuleiro (PMNT). Aqui é o ponto mais alto da travessia, o GPS marcou 1419m. Passamos pela cerca do Parque, cruzamos um lajeado e uma pinguela improvisada também. Já era fim de tarde quando iniciamos a descida final – que leva até Tabuleiro e à casa do Seu Zé. Um pouco antes dessa descida, as mulas que levavam nosso material de acampamento e outras tralhas passaram por nós.


Chegamos no Seu Zé já com as últimas luzes do dia e, conforme ia escurecendo, mais a cerração descia. A noite caiu e não tínhamos visual das luzes que vinham do horizonte. A área de camping do Seu Zé fica mais afastada da casa, se compararmos com a área da Dona Naná. Uma descida um pouco complicada de se fazer no escuro, por isso é bom sempre ter uma lanterna na mão. Aproveitei uns capins secos que estavam espalhados pelo chão e fiz uma espécie de colchão, que coloquei por baixo da barraca, pra ficar menos duro na hora de dormir. Até que funcionou, o sono da segunda noite foi mais tranquilo que o da Lapinha, acredito que pela ausência daquele vento sinistro e pelo cansaço acumulado da caminhada.

A comida na casa do Seu Zé é bem mais simples que a da Dona Naná, mas nada do que reclamar. São igualmente gostosas. Antes de dormir, combinei com Seu Zé a hora do café da manhã, pois queria sair mais cedo que o resto do pessoal pra poder visitar a parte alta da cachoeira de Tabuleiro e chegar no distrito no horário combinado com o motorista do ônibus. Eram por volta de 40 pessoas (ou mais) nesse campo de Fito. Dava pra contar nos dedos de uma mão as que animaram de visitar a cachoeira (parte alta ou baixa) no 3º dia de caminhada. Como não estava preso a ninguém, o café ficou combinado de sair as 7h, só teria que acordar um pouco mais cedo pra deixar tudo arrumado.

Descontando os erros, neste dia caminhei 19,7km.

3º: Casa do Seu Zé e Dona Maria x Tabuleiro (+ Cânion Ribeirão do Campo)

Como disse anteriormente, noite tranquila. Acordei por volta de 6h. Não fazia muito frio, é verdade, mas a cerração baixa e densa dava uma visibilidade próxima de 20m ou menos. Ótima hora pra ter um GPS, pois o visual durante essa pernada final ficaria comprometido até o dia esquentar mais um pouco. Cheguei a casa do Seu Zé às 7h05 e ele me cobrou, com um sorisso no rosto, os 5 minutos de atraso. Café tomado, tralhas arrumadas, já estava pronto pra conhecer a parte alta. Só mais uma vivente apareceu pra pernada, então saímos de lá 7h30 em ponto.


São aproximadamente 6km da casa do Seu Zé até o cânion Ribeirão do Campo, que forma a grande cachoeira do Tabuleiro. Mantendo uma velocidade até boa pelo tipo de terreno e cansaço acumulado, com 1h30 de caminhada chegamos ao cânion. Quando nos aproximamos da descida final a cerração, que até então não nos dava muita visibilidade, sumiu, como num passe de mágica. O ribeirão estava bastante volumoso, deixando as sucessivas quedas d’água bem bonitas.

Pela quantidade de água e largura do cânion pensei que não daria pra descer pelo leito até o ponto em que a água despenca 273m para formar o grande e belo poço do Tabuleiro. Então tratei de subir pela margem direita do ribeirão e caminhar em direção a queda, pra poder ter um visual da coisa toda. Só que, por mais que caminhasse e me aproximasse do abismo, nunca obtive uma visão da queda. Só conseguia ver o vale, bem mais abaixo, e os paredões multicoloridos dessa formação do Espinhaço meridional.

Quando já tinha desistido e me preparava para voltar e terminar a descida, eis que a trilha me leva para o meio do cânion, num ponto abaixo do que entrei. Já que estava lá, decidi descer pelo leito pra ver até onde dava pra chegar. E assim fui descendo, saltando de uma margem pra outra e pulando sobre pedras. Rapidinho cheguei onde queria, na grande queda. Mesmo com todo volume da água a “arquitetura” local permitia que você se sentasse tranquilamente na beira e contemplasse todo o vale que se abria adiante.

Objetivo cumprido, logo tratei de dar um mergulho nas águas do ribeirão e iniciar a descida até Tabuleiro. Saímos do cânion por volta de 11h30. No meio da descida, tentando encontrar o mirante que dá a visão completa dos 273m de queda, me embrenhei por trilhos de vaca e não saí em lugar algum. Quer dizer, saí num barranco, pra voltar à trilha tive que dar uma volta e quebrar um pouco de mato. Como estava quase na hora marcada pra saída do ônibus, desisti do mirante e tratei de caminhar o mais rápido que podia.


Um pouco atrasado chegamos à estrada que liga a portaria do Parque a Tabuleiro. Foi o pior trecho de caminhada, porque a descida é MUITO íngreme e estávamos pregados. O pior é que nenhum carro passou por ali. Só depois de cruzar a ponte e entrar numa outra estrada é que um carro apareceu. Pra nossa sorte era uma pick-up, foi só pedir carona e já subir na carroceria. A carona foi só de uns 200m, pois já estávamos bem próximos do centro de Tabuleiro, mas valeu demais. Fim da travessia. Ainda tinha caixa pra mais uns dois dias de pernada, imaginei. O ônibus já nos esperava por lá, mas a turma toda estava na rua tomando cerveja ou comendo PF. Saímos de Tabuleiro por volta de 15h30, chegamos em BH só no começo da noite, depois de pegar um bom trânsito na Linha Verde.

Neste dia caminhei 16,8km. No total caminhei 50,3km em três dias.

OBSERVAÇÕES:
Para quem está começando na pernada por ambientes agradáveis, a travessia Lapinha x Tabuleiro é um ótimo desafio. Pra quem já é experiente, é uma ótima oportunidade. Paisagens incríveis, mirantes, sempre-vivas, cachoeiras, muita água. Serra do Espinhaço é realmente um lugar espetacular, que merece ser conhecido e conservado.

Essa porção da Serra, especificamente, é um lugar de trânsito secular. Tem trilha pra tudo que é canto, ou seja, é possível pegar a travessia tradicional e fazer muitas variantes a partir dela. Futuramente pretendo fazer uma travessia circular na região, pra facilitar um pouco na questão da logística, daí seria possível fazer uma travessia que começasse e terminasse no mesmo ponto, mas que não fosse uma espécie de bate-volta. Interessados nessa jornada se manifestem!

Aos futuros alunos de Fitogeografia: é uma caminhada bem tranquila, ainda que seja mais longa que a tradicional. Vá com calçado e roupas adequadas, e tudo ficará ainda mais tranquilo.

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