08/11/2015

Brasil Central - 23 dias: Jalapão (2/4)

O Jalapão era o objetivo principal desta viagem pelo Brasil Central. Ele que norteou todo o planejamento, os outros atrativos foram apenas acontecendo enquanto planejava como entrar e sair do Jalapão. Puro cerrado, um dos lugares mais incríveis do sertão brasileiro, sem dúvida. Se as chapadas são paraísos para os trekkers, Jalapão é o paraíso para quem aprecia um bom desafio offroad.




  • 9-13 JALAPÃO

9º dia: De Goiás ao Tocantins

Acordamos cedo, as meninas estavam de partida e tinham a esperança de chegar até João Pinheiro-MG até o fim do dia. Já tinha organizado minhas coisas na noite anterior, pra não esquecer nada no carro e pra dispensar o que não teria muito uso daqui pra frente, precisava aliviar um pouco da bagagem.

Tomamos café e deixei a barraca e algumas roupas secando no Sol, durante a noite o ar fica muito úmido no camping, tendo em vista a proximidade com um córrego. Despedi das meninas e fiz um pouco de hora no camping, talvez pensando como seria daqui pra frente, já que seria minha primeira vez viajando completamente só.

Por volta de 09h00 deixei o camping e fui procurar um lugar para calibrar os pneus da moto, já que no posto de Cavalcante não tinha calibrador. O próprio frentista me indicou uma borracharia lá perto. Pneus calibrados, bagagem arrumada, era hora de partir. Tinha cerca de 530km pela frente até Ponte Alta, por estradas pouco movimentadas.


Realmente muito pouco movimento. A rodovia do norte goiano está em boas condições, até a divisa com o Tocantins ela margeia, de longe, a Serra da Contenda. Parei em Campos Belos para abastecer e mandar um sinal de vida pra casa, já que em Cavalcante o celular da TIM não tinha sinal (novidade!). Percebi que o respiro do tanque tinha sumido e, como o tanque estava cheio, a gasolina ficava respingando. No meio de Campos Belos vi uma oficina de moto, parei lá e o dono me arranjou outra mangueirinha. Na saída da cidade ainda parei numa agência da Caixa.

De Campos Belos segui pela TO-050/BR-010 sentido Palmas. Ia parar para almoçar em Arraias, cidade histórica, mas acabei passando do restaurante e deu preguiça de voltar. Então pilotei por mais de 100km por uma rodovia fantasma, dava pra contar nos dedos os carros e motos que vi nesse trecho, o asfalto tinha muitas irregularidades em alguns trechos e não tinha praticamente nada na beira da estrada, apenas poucos ranchos isolados e rios completamente secos. Pensei que era muita sorte ainda ter asfalto por lá.

Sob um Sol rachando, fazendo uns 35ºC tranquilamente, parei para almoçar em Conceição do Tocantins, de frente para um posto de combustível. Pandu recheado, segui viagem passando por Natividade e Chapada de Natividade, por aqui o movimento de veículos era um pouco maior. Pouco mais de 10km após Chapada de Natividade há um pequeno trevo, sem qualquer sinalização. A estrada de terra à direita leva a Pindorama do Tocantins, são 66km até lá, um atalho para quem segue para o Jalapão (o caminho por asfalto daria uma volta de mais de 200km).

A estrada é de terra batida e está em boas condições. Apenas alguns trechos, já chegando em Pindorama, apresentam muito cascalho solto, mas nada demais. Cerca de 1h pilotando na terra já estou em Pindorama, que é uma cidade bem pequena. A saída para Ponte Alta não está sinalizada (pelo menos não tinha placa alguma por onde passei), mas não tem muita dificuldade, é a única (ou uma das poucas) saída asfaltada de Pindorama.

A rodovia Pindorama-Ponte Alta está em boas condições, asfalto novo e praticamente sem imperfeições. Poucos quilômetros após sair da cidade, em alguns trechos mais elevados, é possível contemplar toda imensidão do Jalapão e alguns testemunhos ainda não erodidos pelo tempo. Aproximadamente 39km após Pindorama há uma estrada de terra à direita que leva à Pedra Furada, um desses testemunhos.
É uma estrada bem batida por cerca de 8km, até a bifurcação que leva ao monumento. Daqui são aproximadamente 2km, praticamente em linha reta até a Pedra Furada. Seria muito tranquilo se esses 2km finais não fossem de PURA AREIA. Eram as boas-vindas do Jalapão. Entrei com a moto do jeito que cheguei, andei por uns 200 metros até a DR praticamente atolar na areia. Era tudo muito pesado, impossível de empurrar a moto em qualquer direção. Com o peso da DR apoiado no descanso, dei meia volta e retornei para o piso mais duro.

Resolvi tirar a bagagem da moto e abaixar um pouco a pressão do pneu. Escondi as coisas num canto, atrás de uns eucaliptos e fui pra segunda tentativa naquele areião pesado. Devo ter andando menos que da primeira vez. Foi frustrante. Já cheguei recebendo uma cacetada das areias do Jalapão. Tornei dar meia volta com a moto, prendi as coisas novamente e tirei as fotos, de longe mesmo. Até pensei em seguir a pé até lá, mas como o por do Sol já se aproximava, decidi que era melhor ficar pra uma próxima. Mais tarde percebi que poderia ter descolado uma carona da bifurcação até Pedra Furada em uma camionete ou jipe que estivesse passando por lá. No Jalapão é tranquilo conseguir carona, desde que exista para dar.

 
Enquanto me preparava para seguir pra Ponte Alta, avisto duas motocas rasgando o areião. Eram duas CG 150cc. Rapaziada corajosa, pensei. Peguei um belo por do Sol na estrada e cheguei no começo da noite em Ponte Alta. Procurando lugar pra ficar cheguei na Pousada Planalto, da muito conhecida Dona Lázara. Ela me acolheu super bem e deixou que eu armasse a barraca nos fundos da pousada, por um preço mais em conta.

Já acomodado na pousada, passei boa parte da noite conversando com o neto dela, o Breno, que também é motorista dos passeios oferecidos pela Dona Lázara. Ele me deu algumas dicas, a principal era secar os pneus da moto, ou seja, abaixar bem a pressão. A outra era sobre como me comportar nos bancos de areia, segundo ele devia andar fora dos rastros de pneu, andar na meiuca mesmo, na parte elevada. Ele também me atualizou sobre a condição da estrada até Mateiros, que estava MUITO RUIM após a ponte sobre o rio Vermelho, a uns 50km de Ponte Alta. Também me falou que um rapaz tentou entrar no Jalapão sozinho com uma XT660, mas acabou dando meia volta assim que encontrou os panelões de areia.

Não nego que saí dessa conversa bastante desanimado, já pensando em um plano B para chegar à Chapada Diamantina sem passar pelo Jalapão. Pelo menos tentaria. Passaria o rio Vermelho e veria com meus próprios olhos os panelões de areia.

10º dia: Cânion Sussuapara, Cachoeira do Lajeado e Praia do Rio Novo

Acordei cedo, arrumei minhas coisas, tomei meu café e desci para a pousada. Falei com Dona Lázara que sairia cedo pra enfrentar o Jalapão, e que se não desse certo, voltaria para passar a noite na pousada. Ela disse que eu poderia voltar sem problemas, pediu pra assinar o livro de visitantes e falou que em alguns pontos do caminho há sinal de celular.

Um pouco mais animado saí da pousada. Pelo menos tentar! Completei o tanque da moto, gasolina a R$3,62/L, fui numa borracharia para secar os pneus. 15 libras em cada um. Cruzei a ponte alta e me adentrei pela estrada principal do Jalapão.

A estrada estava muito boa no começo, de terra bem batida. Após 15km há uma placa indicando a entrada para o Cânion Sussuapara. Entrei por uma área de estacionamento, havia uma camionete por lá. Prendi a moto e fui conhecer o cânion. Bem mais bonito que nas fotos. O clima lá dentro difere muito do exterior. Refresquei-me um pouco e decidi seguir viagem, ainda estava ansioso pelo restante do caminho.

Segui por mais uns 20km até perceber que tinha passado a entrada para a Cachoeira do Lajeado. Estava de frente para a entrada da Cachoeira Brejo da Cama. Até passou uma camionete com um rapaz dizendo que a cachu era boa, que podia descer até lá. Decidi voltar até a entrada para o Lajeado. Era areião puro!

O começo é sempre mais tranquilo, porque a areia está mais firme. Tentei seguir as dicas do Breno e andar entre os rastros de pneu, mas a DR ia sendo jogada para as cavas. Então fui por ela mesmo. Tinha um controle bom da moto, então decidi por a segunda. Continuei tocando devagar e a moto foi ficando cada vez mais instável. Até que, não teve outra, fui pro chão.


Caí de um jeito que minha perna ficou presa embaixo da moto. Logo percebi que o escapamento estava queimando minha perna. Estava tudo muito pesado, mas consegui ajeitar o pé de uma forma que parou de queimar. Ainda estava preso do tornozelo pra baixo. Aquela sensação de estar queimando permaneceu, então armei um desespero pra tirar o outro pé. Tudo pesado. Venci a batalha e consegui tirar o pé. Chequei sob a calça e vi que tinha sapecado um pouco da batata da perna, nada demais. Tentei levantar a moto e não consegui. Tinha uma galera trabalhando longe, já me imaginava indo lá pedir ajuda para levantar a moto. Tinha que conseguir sozinho. Lembrei do Walace falando que era complicado levantar a moto sozinho quando se está no Jalapão. E lembrei também da melhor maneira de suspender a moto quando ela cai no chão. Com um pouco mais de jeito e menos assustado pela queda consegui suspender a DR.

Fiquei sentado na sombra da moto, bebi um pouco de água e pensei em como chegar até o Lajeado. Ali era meu teste. Lembrei do pessoal falando sobre andar na beira do cerrado. Então vi que, do lado esquerdo do caminho, tinha um trecho mais firme e com uma vegetação bem ligeira. Segui mais alguns metros por ali, até voltar pra areia. O caminho alternava trechos muito pesados e outros menos complicados. Segui por aproximadamente 1km até decidir que era melhor deixar a DR em um canto e descer o resto a pé. Então encontrei uma grande árvore (uma das maiores que tinha no meio daquele cerrado), meio queimada e que oferecia um pouco de sombra. Deixei a moto e a maioria das coisas ali, desci só com o essencial pelo restante do caminho.


Até pra caminhar naquela areia era difícil, ainda mais de bota. Caminhei por uns 15 minutos até chegar no rio que formava a cachoeira. Estava sozinho por lá. Refresquei-me um pouco na água e fui explorar um pouco do local, tentando descobrir o melhor caminho para chegar no poço que fica mais abaixo. Quando voltei pras minhas coisas, encontro um grupo de 5 pessoas. O guia deles, Cristiano, me perguntou de onde eu estava vindo, porque ele não viu nenhum carro ou moto no caminho. Sinal de que a moto estava camuflada no cerrado (rs)! Enquanto o grupo que estava com ele se preparava para entrar na água, o Cristiano falou que o melhor caminho era descer pela cachoeira mesmo. É preciso ter alguma atenção, mas, no geral, as pedras não escorregam.

Desci rapidamente pelas pedras. Mais ou menos na metade da descida é preciso entrar por uma pequena trilha na margem esquerda do rio. Ali você se agarra em alguns troncos, galhos e raízes e chega no nível do poço. O Sol não batia com intensidade, já que ainda era de manhã, mas a água estava bem agradável. O poço é pequeno, não muito profundo, o que atrapalha um pouco o banho. Por outro lado é bem fácil chegar na queda, ficar embaixo dela foi praticamente uma massagem.

O grupo deve ter demorado uns 10 minutos pra conseguir descer até o poço. Parece que nunca pegaram uma trilha. Quando eles chegaram fiquei conversando com o Cristiano, tentando aprender mais sobre o Jalapão. Ele me atualizou sobre a condição da estrada e, de quebra, ainda me ofereceu uma carona até a moto. O grupo saiu da água e foi outra penúria pra eles conseguirem subir a cachoeira. Todos lá em cima, eles entraram na camionete, com ar gelando, enquanto eu fiquei na caçamba, curtindo um passeio no cerrado. Nisso fiquei sabendo que o Cristiano é motorista do Belêco, outro bem conhecido por quem vai ou foi ao Jalapão. Voltar com a moto até a estrada foi menos trabalhoso. De lá segui em direção a Mateiros, para descobrir o que teria pela frente.

Assim que passei a ponte sobre o rio Vermelho, a estrada se transformou. Até a cor do piso muda. Vi algumas máquinas que patrolam paradas no meio do cerrado e, aos poucos, os panelões de areia iam aparecendo, alguns forrados com cascalho. Os panelões possuem os mais diversos tamanhos, alternando-se entre trechos cascalhados. Como era minha primeira vez numa areia daquele nível, praticamente parava a moto antes de entrar e atravessava eles de primeira e com a ajuda dos pés. Nos panelões mais extensos, era obrigado a parar a moto no meio deles, descansar, pensar numa alternativa melhor e seguir. Sempre de primeira, com aceleração constante e com a mão esquerda bem longe da embreagem. Não caia na tentação de usar a embreagem. Assim a moto ia seguindo, com giro alto e a uns 10km/h (rs).

Devagar e sempre, cheguei à Serra da Muriçoca, já próximo do entroncamento que leva a Cachoeira da Velha. Aqui os panelões de areia dão lugar a muita pedra solta. Em algum ponto da subida, que nem é tão pesada, aparece um asfalto, que enche de esperança os mais otimistas. Só por poucos metros. Após a subida chego no trevo, impossível não comemorar a vitória sobre aquele areião pesado. Aqui tinha a informação que a estrada do trevo para a cachoeira estava em boas condições, o que também foi confirmado por um motorista que voltava de lá em uma camionete.

A ideia de “boas condições” é um pouco diferente lá no Jalapão. A estrada que leva a Cachoeira da Velha tinha muito cascalho solto, ideal para furar pneu. É preciso ir com cuidado, embora os panelões de areia sejam mais raros.


No meio do caminho um trecho bom permitiu que eu andasse bem com a DR. Chegando na sede, onde mora o caseiro Guilherme, que controla a entrada para a cachoeira, aparecem algumas panelas de areia, em algumas é possível cortar pela borda, que é mais firme e cascalhada. Reza a lenda que a casa, a pousada desativada, o salão de festas e toda infraestutura da região foram construídas pelo narcotraficante Pablo Escobar, aquele da série. Ele teria aberto as estradas da região e também construiu uma pista de pouso ao lado da pousada. O local seria utilizado para o refino da cocaína. A pousada chegou a funcionar entre 2001 e 2005, muito em virtude do apoio político do estado de Tocantins, dizem. Era um local de festas para os políticos do estado.

O camping nas praias do Rio Novo não é mais permitido, mas é tranquilo armar barraca no espaço da pousada abandonada. E ainda dá pra usar o banheiro dos antigos quartos, que tem chuveiro com água quente. Da pousada são mais 9km, numa estrada um pouco melhor, mas ainda com muitas pedras, até a prainha do Rio Novo ou até a Cachoeira da Velha.

Cheguei por volta de 14h, o Guilherme me explicou o funcionamento do local e fui logo descer para o rio. Da estrada é possível avistar a Serra da Jalapinha ao fundo. Em alguns trechos do caminho pega o sinal de São Félix, cidade relativamente próxima, que fica do outro lado do Rio Novo. No estacionamento da prainha tem um banheiro, ainda que o masculino estivesse inutilizável. Para facilitar o acesso, construíram uma espécie de passarela/escada até a praia.

Arrumei uma sombra na praia pra deixar as coisas, entrei no rio e, após sair da água, fui apresentado às mutucas. Uma mosca terrível, bem enjoada e, aparentemente, abundante em todo Jalapão. Almocei andando de um lado para o outro, tentando me livrar das picadas. A correnteza do Rio Novo é bem forte e ele está entre os rios mais potáveis do mundo, foi lá que enchi minha garrafa. Direto do rio!

Ia subir caminhando até a Cachoeira da Velha, mas como a trilha estava fechada deixei pro outro dia de manhã. Estava cansado de andar de moto naquela estrada. Voltei pra pousada abandonada e lá montei minha barraca. Dois casais do Rio Grande do Sul também passariam a noite lá, acabei ganhando uma janta e conversando bastante com eles.

11º dia: Cachoeira da Velha e Dunas

Durante a noite fiquei pensando na história que um dos gaúchos me contou (esqueci o nome de todos), sobre uma onça que atacou um pessoal acampado. Não tinha medo de onça até ouvir a história rs. No meio da noite chegou uma família do RJ na pousada. Tem que ser animado pra rodar a noite pelo Jalapão.

Enquanto os gaúchos partiam em direção a São Félix ou Novo Acordo, não me lembro, tomei café e conversei com o pessoal do RJ. Arrumei minhas coisas e, assim que o Sol ganhou força, desci pra Cachoeira da Velha. A estrada é um pouco mais curta, sendo que o finalzinho dela é um pouco melhor. Deixei a DR na sombra e desci por uma extensa passarela, até encontrar a queda. É MUITA ÁGUA! Fiquei lá um bocado vendo aquele monte de água passando.


Voltei para a pousada e no meio do caminho parei para tentar ligar pra casa. A TIM não tem sinal direito em Tocantins, fica sempre em roaming. No Jalapão era ainda pior. Consegui falar com a Giulia, que já estava em BH, e ela passou o recado. Chegando na pousada abandonada, onde havia deixado minhas coisas, fiz um pouco de hora, arrumei a moto e segui para as dunas.

Para minha surpresa, o caminho do entroncamento para Cachoeira da Velha até a ponte sobre o Rio Novo estava menos pior. Ainda tinha muita areia, é verdade, mas ainda era mais tranquilo que a primeira parte. Isto ou já estava dominando as técnicas de pilotagem no areião pesado. Um pouco antes do rio aparecem umas casinhas pelo caminho (uma das únicas entre Ponte Alta e Mateiros). Aproveitei a sombra das árvores por lá e parei num bar para tomar um refri.

Adiante, já chegando a ponte, entrei à esquerda um pouco antes da “cabeça” dela, seguindo por uma estrada de terra e areia, ao lado de uma casa, até chegar numa prainha do rio. Lá foi minha parada de almoço e descanso, já que esperaria o Sol abaixar para entrar nas dunas. Assim que entrei na água e fui preparar a comida, as mutucas já começaram a me castigar. Não tinha como evitar as picadas. Elas eram infinitas e insistentes. Matava duas e vinham quatro. Pulando de um lado pro outro consegui almoçar e logo me sequei. Parece que quando estamos secos as mutucas nos esquecem.

O Rio Novo nesse ponto tem uma largura e correnteza razoável. Não me atrevi a nadar muito pro meio dele. Aliás, as mutucas me incomodaram tanto que mal consegui nadar por lá. Já seco, aproveitando a sombra e a água fresca, tirei um belo cochilo na beira do rio.

Já descansado, era hora de seguir viagem. Tinha mais uns 10km até a base das dunas. Conforme ia avançando, de longe era possível visualizar os contornos da Serra do Espírito Santo. Antes de fervedouro, cachoeira, rio ou qualquer coisa, era o que eu queria ver nessa viagem toda. Realmente a vista da estrada é incrível. A estrada que alternava cascalho e areia, vira um grande panelão na proximidade da Serra. Os 5km finais são pesados. Devagar e sempre cheguei lá, na portaria das dunas (Parque Estadual do Jalapão) e na casa da Dona Benita, onde tinha esperanças de acampar durante a noite.

Cheguei por volta de 15h30, cerca de 5h depois de deixar a pousada. Parei a moto perto da portaria e fui conversar com os guarda-parques e os brigadistas que estavam por lá. Sabia que da portaria até a base das dunas seriam aproximadamente 5km de areião MUITO PESADO, sem refresco. Falei que tentaria descolar uma carona com a galera que chegasse de 4x4, ou então iria a pé. Tratando-se de alta temporada (julho), seria tranquilo arrumar carona. As dunas ficam próximas de Mateiros e é o destino preferido das agências e visitantes para ver o por do Sol. Foi então que um dos guardas-parque falou que poderia pegar carona com eles, já que iriam subir de caminhão assim que aparecessem os primeiros visitantes.


Por volta de 16h00 apareceu a primeira camionete. Logo depois apareceu outra. De repente era uma fila de utilitários 4x4 esperando para entrar. Tive que me arrumar as pressas, pois já estava todo mundo indo pro caminhão. Acabei me esquecendo de encher a garrafa com água, mas no Jalapão isso não é lá um grande problema.

Na carroceria do caminhão, que tinha até uns banquinhos, igual aqueles do Exército, fui sacodindo até o estacionamento das dunas. Realmente passaria um bom tempo ali penando com a moto, AREIÃO PESADO! Do estacionamento são mais uns 10 minutos caminhando até as dunas. Na base delas há uma verdinha, que aos poucos está sendo soterrada pela areia. Vendo fotos anteriores dá pra perceber a movimentação. Em alguns anos as  dunas devem empurrae a água para outro lugar, por isso a importância influenciar minimamente no ambiente, para não acelerar esses processos, que são naturais.

Do alto das dunas, pra qualquer lado que se olha, a vista é fantástica. As cores, o contraste entre as dunas, a serra erodida e as veredas. O Jalapão é incrível. Conforme o por do Sol ia se aproximando, mais pessoas chegavam por lá. Se não me engano (ouvi a conversa do pessoal do Parque) foram aproximadamente 150 visitantes no dia.

O Sol abaixou e era hora de ir embora. Como estava com o pessoal do Parque, esperamos até o último grupo se deslocar para o estacionamento. Saímos de lá com o céu já escuro. No caminho de volta, todas aquelas camionetes e jipes iam em fila indiana. Alguns trechos dessa estrada de areia conseguem ser ainda mais pesados que os demais, o que faz os 4x4 rodarem devagar. Nisso, do veículo da frente reduzir a velocidade, o de trás para. E quando para naquela areia, amigo, não adianta ter tração nas quatro rodas, bloqueio de diferencial e marcha reduzida. Atola mesmo!


Três carros ficaram atolados na volta e tivemos que ajudá-los a sair de lá. Numa dessas bateu aquele cheirão de embreagem indo embora, mas deu tudo certo e todos saíram. Pra evitar os piores trechos e não arriscar atolar as 6 toneladas à diesel, o motor tocava pelo cerrado, no conhecido VARA-MATO.

Chegamos na portaria e eram quase 19h00. Enquanto o pessoal se arrumava para seguir viagem para Mateiros, fui saber da Dona Benita se poderia armar barraca perto da casa dela. Quando cheguei lá ela já estava pronta pra seguir pra Mateiros no caminhão do parque, mas antes me apresentou a filha e falou que poderia ficar lá numa boa. Depois disso a filha dela me apresentou a área de camping, o banheiro e a ducha. Já era de casa.

Montei a barraca e quando já estava tudo pronto, ela falou que montei no pior lugar, que o vento ali seria forte. Como, naquela hora, não tinha sinal de vento, e eu já tinha passado umas noites em Lapinha da Serra, decidi correr o risco. Depois de uma ducha fria, fui dormir enquanto, em algum lugar daquela imensidão, o cerrado pegava fogo.

12º dia: Serra do Espírito Santo e Fervedouro do Ceiça

O dia começou bem cedo, antes do Sol raiar. A intenção era subir a Serra do Espírito Santo a tempo de pegar a aurora. Tomei café e arrumei as coisas. A maior dificuldade foi guardar a barraca naquela escuridão (a lanterna não estava iluminando nada). Prendi as coisas na moto e, vendo o Sol se aproximar do horizonte, parti em direção ao mirante.

Para minha surpresa, novamente, a estrada depois das dunas não está muito ruim. De qualquer forma, fui devagar pois ainda não era dia. O acesso até o começo da trilha do mirante é de pura areia. Tinham dois caminhos e escolhi o pior, o da esquerda, pra quem está de frente pra Serra, é menos fofo, no final a moto quase atolou. Os pneus ficaram limpinhos, de tanto que rodaram na areia.

Deixei mochila e demais coisas presas à moto, no Jalapão parei de me preocupar com insegurança. A trilha até o alto da serra não é muito extensa, deve ter uns 800 metros, mas é MUITA SUBIDA. Provavelmente era o cansaço acumulado dos 12 dias de viagem, mas penei pra subir aquilo tudo. Existem quatro bancos durante a subida, recomendo parar em todos para descansar, beber água e contemplar a vista, que é incrível.

Depois de suar um bocado, cheguei ao topo do chapadão que é a Serra do Espírito Santo. Não cheguei a pegar o nascer do Sol, mas ele ainda estava bem baixo. O vento lá em cima é refrescante. Além do nascer da aurora, o outro objetivo era caminhar mais 3km até o mirante que dá vista pras dunas. A pernada é feita em meio ao cerrado, com muitos pássaros, em terreno praticamente plano. O céu estava bem limpo, embora as queimadas já estivessem aparecendo, a visibilidade era muito boa lá de cima.


A descida foi só alegria, quase não cansa. Lá de cima vi que um pessoal tinha chegado numa camionete. Um pouco tarde, talvez. No meio do caminho de volta vi que era o Cristiano com seu grupo. Acho que aquela galera ia demorar umas horas pra chegar no topo.

Chegando na moto, percebi que a bolsa de ferramentas tinha caído pelo caminho. Resolvi voltar até a casa da Benita, que não era tão longe (aprox. 8km) pra ver se achava pelo caminho. Não encontrei nada. Até parei um sujeito de moto no caminho, mas ele também não viu. Terminaria a viagem tendo como única ferramenta a chave para regular a corrente.

Segui para Mateiros por uma estrada até boa, com poucos panelões de areia, mas com algumas costelas de vaca e pedras soltas. Chegando lá parei em um dos dois postos de combustível da cidade. Não iria abastecer, queria aproveitar o sinal roaming da TIM e ligar pra casa. De quebra conversei com o frentista e ele ainda me indicou qual seria o melhor fervedouro da região: o do Ceiça.

Sem abastecer segui viagem, por uma estrada até boa, por onde consegui acelerar bem, embora tivesse passado por um panelão de talco, que me deixou todo branco. Aproximando de umas casinhas, há uma estrada uma bifurcação na estrada e a indicação para o fervedouro do Ceiça. No meio do caminho também tem a indicação para o fervedouro Buriti, mas era pura areia e não tive ânimo de entrar na estradinha.

Para o fervedouro do Ceiça é zero areia. O estacionamento é fora da propriedade, difícil achar uma sombra pra deixar a moto por lá. Como tinham mais carros parados por lá, resolvi levar o mochilão nas costas. Dentro da propriedade, sim, muita areia. A caminhada é rápida até o fervedouro, metade em campo aberto e outra metade sob a copa de grandes árvores. Cheguei lá e havia somente um grupo, além do Ceiça, figuraça, deitado numa rede.

O Ceiça administra o fervedouro, controla a entrada e a saída dos grupos. Paga-se R$10 para entrar ou tirar foto do local e o tempo de permanência de é 20 minutos, até 6 pessoas. Como estava sempre pressa, vi os grupos chegando e partindo. Alguns nem chegaram a entrar, não querendo pagar as 10 pratas ou achando aquele fervedouro igual aos outros. A verdade é que o local é bem bonito, mas não achei grande. Vi relatos dizendo que este era o maior fervedouro de lá. Imagino que os outros tenham o tamanho semelhante ao de uma banheira.

Quando parou a movimentação de pessoas, percebi que minha hora tinha chegado e fui conhecer, com alguma privacidade/liberdade. A sensação é diferente lá dentro. A água é morna, a areia finíssima e não tem como afundar, por mais que se tente. A areia desmancha sob os pés. Lá consegui boiar por um bom tempo e me afastar das incansáveis mutucas.


Depois de um bom tempo curtindo o fervedouro, Ceiça deu o grito dizendo que ia almoçar. Poderia ficar como administrador do fervedouro por uns tempos, mas a fome apertava e resolvi perguntar pra ele onde teria um lugar bom pra almoçar. Ele falou que poderia comer na casa dele mesmo, que o pessoal estava fazendo um almoço lá (como estava sozinho, não tinha problema em chegar lá sem encomendar nada). Pois então arrumei minhas coisas e segui pra casa do Ceiça. Pra minha alegria, chegando lá, o almoço era um tropeirão no capricho, além de vinagrete, arroz e um churrascão! Depois de dois dias sem comer comida de verdade, tirei a barriga da miséria e comi além da conta. Só não dei prejuízo porque o almoço lá saiu por 25 pratas, dinheiro bem investido.

De barriga cheia e sob um sol senegalês montei na moto e segui rumo a Cachoeira da Formiga. Segui pela estrada sentido São Félix, que tinha alguns trechos ruins, mas eram poucos. Pra minha tristeza um dos piores trechos era justamente na entrada para a Cachoeira da Formiga, todos os caminhos eram de areião pesado. Então resolvi seguir mais um pouco e parar no fervedouro do Buritizinho.

Lá conversei com o Nô, que administra o local e o Vicente, que não é aquele do camping. Queria saber se tinha algum caminho melhor pra cachoeira, com menos areia. Eles falaram que alguns caminhos foram abertos recentemente, que ainda não tinham sido tomados pela areia. Esse é um dos problemas do Jalapão, ao invés de melhorar os caminhos já existentes, a Naturantins prefere abrir um novo caminho pelo cerrado.

Nesse meio tempo a DR entrou na reserva. Pelas minhas contas ela estava fazendo algo como 19km/L. Diferença grande, o areião é realmente pesado!

Saindo do Fervedouro Buritizinho, e indo pra entrada da Cachoeira da Formiga, ignorei os caminhos que aparentavam ser mais novos, pois todos tinham muita areia fofa. Fui pela entrada principal mesmo, devia ter mais de 5 opções de trilha. Escolhi a com menos areia e fui andando por cima de um cerradinho bem ralo. Logo apareciam bifurcações e escolhia o caminho que achava menos pesado. Devem ter uns três caminhos que correm paralelos. Acho que tive sorte, peguei pouco areião e cheguei rapidinho na propriedade onde está a cachoeira.

A propriedade estava bem cheia, parece que a galera da região foi em peso pra lá. Enquanto procurava o melhor lugar para montar a barraca conheci um tal de João Miranda, que pelo nome e pelo tratamento que recebia das pessoas, tinha toda pinta de ser político lá em Mateiros. Nesse papo com o cara acabei provando até carne de cordeiro, e ele me indicou um lugarzinho bom para montar a barraca.

Como o local estava cheio, resolvi descer pra cachoeira só no fim da tarde. O poço tem um tamanho médio, a correnteza lá é forte, o que dificulta um pouco o nado, e o mais interessante é a água, que é praticamente morna - além da cor que é incrível. Fiquei um pouco lá para relaxar e depois fui lavar um bocado de roupa.

A área de camping da Formiga não é das melhores, mas dá pra passar uma noite tranquilo. O local peca um pouco pela infraestrutura, mas o Jalapão é bruto mesmo e tudo isso faz parte. Como o ingresso para a cachoeira é R$20, acho que compensa bem mais pagar R$30 para passar a noite por lá, podendo curtir o local com mais calma.

13º dia: Cachoeira da Formiga
Disponível no Wikiloc.

Como dormi bem cedo, também acordei cedo. O bom da formiga é que aquela água quase morna permite o banho a qualquer hora, mesmo com o Sol tímido da manhã. Levantei com a ideia de conhecer a nascente do rio, que segundo o GPS estava bem próximo, coisa de 2 a 3km de caminhada.

Fui de chinelinho mesmo, até porque tinha lavado os dois únicos pares de meia na noite anterior (já deveriam estar secos, é verdade, mas fiquei com preguiça de calçar bota). A trilha começa até batidinha, mas vai fechando com a distância. Até que chega um ponto que ela some. De chinelinho por aquele cerrado fica difícil, então deixei a nascente pra uma próxima.


Voltei para o poço e tive um bom tempo para ficar de boa por lá, quase sempre sozinho. Quando os primeiros visitantes do dia começaram a aparecer, resolvi que já era hora de partir. Arrumei minhas coisas, fiz um sandubão sinistro de atum, acompanhado de paçoca de carne, e segui para Mateiros.

No caminho que liga a cachoeira à estrada principal dei uma escorregada na areia e a moto foi pro chão. Na verdade ela deitou, porque estava praticamente parado. Desliguei a DR e fui levantá-la. Na hora de prosseguir, a moto não quis ligar de jeito nenhum. Como estava na reserva, a primeira coisa que pensei foi que o resto de gasolinha tinha ido pro brejo. Fiquei mais um tempo tentando ligá-la sem sucesso. Até que a Coração Valente se recuperou do baque e ligou. Segui direto para o posto de Mateiros.

Reza a lenda que existem dois postos em Mateiros (realmente são dois), mas, até então, só tinha visto um. Cheguei no posto e estava tudo deserto. Como era domingo e, se tratando de Jalapão, achei que o cara tinha resolvido tirar uma folga. Pra minha sorte era apenas horário de almoço, mas fiquei lá esperando um bom tempo. Gasolina a R$4,30!!! Enchi o tanque por 80 reais, por essa não esperava.

Durante todo meu tempo no Jalapão, sempre perguntava pela condição da estrada que liga Mateiros a Coaceral, uma região de grandes fazendas pertencentes a Formosa do Rio Preto-BA, e todos me falavam que a estrada estava excelente. Com um tracklog carregado no GPS, segui para a 3ª etapa da viagem: Chapada Diamantina.


Realmente a estrada é MUITO melhor que as outras do Jalapão, mas, em compensação, é ainda mais deserta. Foram 113km entre Mateiros e Coaceral, passei por um carro, uma moto e duas carretas - estas duas já bem próximas do fim. No caminho tem a pousada Galhão, umas casinhas e muito cerrado, pelo menos no Tocantins. Ao passar pra Bahia o cerrado se transforma em fazendas gigantes. Não tem muita errada pelo caminho, dá pra fazer sem GPS, apenas com algumas anotações importantes de distâncias e referências.

Chegando em Coaceral há um posto de combustível com lanchonete. De lá é “asfalto” até o entroncamento com a BR-135. Coloquei entre aspas porque o asfalto consegue ser pior que muita estrada de terra. Passam muitos caminhões e carretas por lá, então são muitos buracos nesses 70km até a BR. Parece que estão recuperando o trecho, mas não se anime, diria que 70% do trecho é só buraqueira. Cheguei em Formosa do Rio Preto no fim de tarde, para passar a noite numa pousadinha às margens da BR. O saldo desse trecho esburacado foram dois amassados no aro dianteiro, mas fui perceber isso só em Ibicoara.

DICAS E INFOS:
O Jalapão é incrível e não é tão bruto como se pensa. Claro que, se comparado a outros destinos, a infraestutura da região é mínima. Entretanto, é plenamente possível percorrer aquela imensidão com boas informações e por conta própria, sem gastar um caminhão de dinheiro. Claro que é preciso ter disposição para enfrentar dezenas de quilômetros de estradas péssimas. Uma moto ou um 4x4 ajudam bastante, mas há relatos de quem fez com carro de passeio, apenas secando os pneus e indo na coragem. GPS é opcional, basta estudar um pouco as distâncias, anotar tudo e ir, não tem errada.

Julho é uma boa época para se visitar a região. Noites frescas, dias quentes e céu limpo, já que as queimadas são poucas. Por se tratar de alta temporada o trânsito de veículos é maior, o que detona ainda mais as estradas da região. Para pegar as estradas menos piores, o ideal é ir no fim ou começo do período chuvoso, quando a areia está firme. No mais é pé na taba!

TOTAL DE GASTOS:
Gasolina: 179,19$
Hospedagem: 100$
Alimentação: 54,25$
Ingressos: 10$ (Fervedouro do Ceiça)
TOTAL: 343,44$


COMO CHEGAR:
A região do Jalapão está localizada no extremo leste do Tocantins e faz divisa com os estados do Maranhão, Piauí e Bahia. A capital mais próxima é Palmas, a cerca de 300km de Mateiros, município mais próximo do Parque Estadual do Jalapão e também de outros atrativos. Além de Mateiros, Novo Acordo, Ponte Alta e São Félix do Tocantins integram o circuito Jalapão. O acesso é feito através das estradas TO-030 e TO-255, muitos trechos só são trafegáveis por veículos 4x4 ou motos. No caso das motos, é importante ter experiência na condução offroad e, no mínimo, pneus mistos.

4 comentários:

  1. Nossa, seu rolê foi super roots. Quero muito fazer esse trip, mas não tenho moto para economizar, será que consigo caronas nos roles?

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  2. Olha, pela minha experiência, você até consegue carona para atrativos pontuais, desde que esteja lá "dentro" do Jalapão. Agora fazer todo o deslocamento de carona é algo complicado. O mais fácil e certo seria contratar o serviço de 4x4 local e dividir com um grupo de 4 ou 5 pessoas.

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  3. Parabéns pelo relato da viagem vai ser muito util!

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  4. Passando para reconhecer este excelente relato. Tive a oportunidade de ir para o Jalapão em Junho deste ano (2021) Entrando e saindo por Coaceral e estes relatos são muito fiéis a tudo que pude observar entre roteiros e atrativos.

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