06/10/2016

Travessia São João da Chapada x Diamantina

Num belo dia, zapeando pelo Facebook, vejo um convite do Francisco Cardoso (a.k.a. Chico Trekking), tratava-se de mais uma travessia pelo Espinhaço, dessa vez pelas bandas de Diamantina. De pronto já me interessei. Perguntei a Giulia e ela também topou. Alguns dias depois estávamos partindo numa van rumo a São João da Chapada, ponto inicial de mais uma jornada pela Serra do Espinhaço.

Powered by Wikiloc

1º dia: São João da Chapada x Rio Pinheiros


Saímos de Belo Horizonte por volta de 00:30 de sábado. A viagem correu tranquila e um pouco antes das 02:00 estávamos no trevão da BR-040 e 135, nossa única parada durante o caminho. Dali pra frente a estrada estava ainda mais sossegada, chegamos a Guinda, distrito de Diamantina, antes das 05:00, com o céu ainda escuro. Depois de atravessar o povoado deixamos o asfalto e enfrentamos os pouco mais de 20km até o distrito de São João da Chapada. A van andou bem devagar nesse trecho e cerca de uma hora depois chegamos ao nosso destino, sob um céu clareando e um vento gelado.


No distrito, nenhuma alma na rua. A padaria ainda estava fechada. Aproveitamos esse tempo pra tirar um cochilo com mais tranquilidade no interior da van. Depois de um bom tempo a padaria se abriu, as pessoas começaram a sair das casas e nós começamos a arrumar as tralhas para a travessia. Nesse inteirim também apareceu um ônibus, daqueles de turismo meio mal conservado, cruzando a cidade e buzinando, avisando os moradores que o carro pra Diamantina já chegou.


Depois do café tomado e das mochilas prontas, começamos a pernada pela rua principal de São João da Chapada, seguindo em direção ao grande cruzeiro, na entrada do povoado. No meio do caminho passamos pela igreja de Santo Antônio e logo chegamos ao cruzeiro, ao lado do cemitério municipal e de antenas (da TIM que não eram, pois não havia sinal lá). Após o cemitério entramos à esquerda e seguimos por alguns metros margeando uma cerca, até encontrar uma passagem. Aqui começa a trilha, propriamente dita, seguimos descendo pelo terreno, passamos pelo poço artesiano que abastece o distrito, pelo primeiro ponto de água e por uma casinha bem simples. Caminhávamos por um misto de cerrado, campo rupestre e capoeira, sempre por um terreno bem arenoso, que levantava bastante poeira com a passagem da tropa. Após a casinha deixamos de caminhar por uma área aberta e fomos em direção a uma espécie de cânion, um leve aclive cercado por paredões.



Depois dos paredões, novamente, estávamos em área bem aberta. Cruzamos um bom trecho de areia branca e fomos descendo em direção a algumas palmeiras, tendo um leito de riacho seco a nossa direita. As folhas balançavam com o vento e tínhamos a impressão que estávamos nos aproximando de um rio ou cachoeira. Passamos por uma porteira e a trilha, que até então seguia no sentido leste, deu uma guinada para sudeste, cruzando uma espécie de cerradão. Continuamos descendo, neste trecho mais fechado passamos por dois exemplares imensos (em largura) de uma espécie de palmeira. Outra porteira e agora a trilha dava uma guinada para nordeste, indo em direção ao fundo do vale.


No final da descida um pequeno córrego de águas limpas e duas casas bem isoladas, sendo que uma delas estava aberta. Fomos denunciados pelos cachorros, mas ninguém apareceu por lá. Numa das poucas sombras da travessia paramos pro almoço, ao lado do córrego. Depois de encher o pandu seguimos viagem, agora por uma estradinha precária com muita areia, mas que foi vencida por uma Brasília (ou Variant) que estava estacionada perto das casas. Seguimos pela estrada por um trecho praticamente plano, sempre no sentido sudeste desde que deixamos a casinha. Em um trecho em que a estradinha faz uma curva pra esquerda, seguimos reto por um caminho com aspecto de abandonado, com vegetação crescendo ao redor. Agora começávamos a descer em direção ao Rio Pinheiros. Depois de pouco mais de 2km de descida chegamos a uma cerca que limita o acesso ao rio. Não tivemos dificuldade para transpor, já que havia um grande vão por baixo dos arames.


Pinheiros é um típico rio do Espinhaço, um dos afluentes do alto Jequitinhonha, com muita areia nas margens e no leito, águas limpas e pouca profundidade. A esta altura o Sol estava batendo forte e, já que tínhamos que cruzar o rio, resolvemos dar uma parada para refrescar o corpo naquelas águas calmas. No lugar em que chegamos ao rio, somente um ponto era profundo o suficiente para podermos nadar sem problema, então todo mundo se aglomerou ali. Enquanto gastávamos nosso tempo por lá, ouvimos uma turma de trilheiros (moto) se aproximando e, depois, afastando-se.



Por volta de 14:00 demos prosseguimento a jornada. Como teríamos que descruzar o rio mais a frente (a jusante), embarcamos na ideia do Chico e seguimos descalços até lá. A ideia não foi das melhores. A combinação sol quente + areia + pedras tornou aquele trecho os 800 metros mais longos da travessia. Nas areias da curva do Rio Pinheiros as marcas dos pneus das motos que haviam passado por lá. Do outro lado do rio não havia uma trilha bem batida nos esperando. Fomos adentrando num capão de mata, desviando a cargueiras dos galhos, troncos e cipós. Atravessamos uma cerca e um córrego, até interceptar um trilho mais batido. Mais a frente uma surpresa: duas tronqueiras e uma trilha bem limpa para quem pretende cruzar o Rio Pinheiros, bastava ter seguido o rastro das motos, mas não tinha como voltar no tempo.


Fomos seguindo pela trilha, que em alguns momentos se assemelhava a uma estradinha, passando por alguns pontos de água. Em um ponto mais elevado o capão de mata rareou e conseguimos visualizar um cânion com um belo poço no Rio Pinheiros. Era o nosso destino daquele primeiro dia. Seguimos pela estradinha, demos uma boa volta até reencontrar o Rio Pinheiros novamente. Dessa vez a cerca não era tão simples de transpor. Depois de pular fomos andando pelos bancos de areia em direção a cachoeira. Tiramos a bota para terminar de cruzar o rio, pulamos outra cerca e chegamos a nossa área de camping, onde desembarcamos por volta de 15:30.


Final de tarde foi descansar da caminhada, aproveitar o rio e fazer comida. Pessoalmente estava bem cansado, sentindo um pouco da perna por ter exagerado nas corridas durante a semana que passou. Uma escorregada no caminho fez com que uma dor atrás do joelho me acompanhasse até o fim da travessia. Então mais descansei que aproveitei o rio.



Neste dia caminhamos 16,5km.


2º dia: Rio Pinheiros x Diamantina (via Biribiri)


A noite foi bem agradável em todos os aspectos, só não dormimos com a tela da barraca aberta porque as formigas estavam dominando o acampamento. Na noite anterior já havia tomado umas picadas. Pela manhã elas tinham tomado conta de algumas comidas e da cargueira. (Nota: como a Arpenaz 2 da Quechua é uma barraca pequena para duas pessoas em situação de travessia, desde nossa ida ao Pico da Bandeira temos optado por dormir com as cargueiras do lado de fora. Tratei de empacotar bem as comidas em algumas sacolas, mas não contava com a força de vontade delas).


Depois de tirar as formigas do bolo e das laranjas, fizemos o desjejum e começamos a desmontar o acampamento. Fomos os últimos a deixar o local, numa manhã nublada mas agradável de domingo. Para evitar passar próximo a casa da fazenda em que estávamos, fomos subindo pelo pasto sentido sul, interceptando pequenos trilhos de vaca até a cerca. Pulamos a cerca de arame liso as 08:23 e seguimos por um trilho mais batido que logo sumiu. Desse ponto mais elevado víamos um pouco das praias fluviais do Rio Pinheiros, a montante do local de acampamento. Por pastos e trilhos de vaca fomos seguindo até a próxima cerca, que ficava bem próximo a uma casa, aparentemente vazia por estar em fase de acabamento. Para as próximas travessias, e pra quem deseja fazer a Trilha do Algodão por completo, essa parte do Rio Pinheiros deve ser melhor calculada, para não correr o risco de ter qualquer atrito com os proprietários locais.



Andamos poucos minutos pela última propriedade e já estávamos em mais uma porteira, desta vez a beira da estrada de terra que liga Diamantina a localidade de Pinheiros. Foram 2,5km pelo estradão, grande parte deles subindo, até chegarmos a uma bifurcação, já dentro do Parque Estadual Biribiri. Seguimos pela estradinha da esquerda, caminho mais curto e pouco movimentado até Biribiri. Só vantagens. Passamos por algumas propriedades e a subida continuava, já que caminhávamos em direção a nascente do Rio das Pedras, que a essa altura nos acompanhava a distância de umas dezenas de metros. Em um trecho mais plano e mais aberto, diversas trilhas deixavam a estrada e partiam em direção ao rio. Se tivéssemos tempo sobrando, certamente aquelas prainhas teriam a nossa presença.


Depois de longos 4,8km caminhando por estradas, chegamos a vila de Biribiri as 9:45. Certamente o vilarejo tem a sua beleza, ainda mais por estar localizado em meio ao Espinhaço, mas aquelas casinhas bem pintadas, aquela grama verde dava um ar de artificial ao lugar. Como um dos bares já estava aberto, paramos a sombra e encomendamos uma porção de pastel acompanhada de um Gatorade bem refrescante.


Após um bom descanso começamos o trecho final da travessia, nesta altura o nosso grupo já estava desfalcado de dois integrantes, que preferiram aproveitar o domingo em Biribiri. Passamos pela igreja, que estava em obras, e próximo da grande fábrica, que um dia empregou (direta e indiretamente) mais de 600 pessoas naquele local. Mais subida, agora pela estrada principal do Parque Estadual. O Sol já brilhava forte e por ali não tínhamos nenhum alívio. Caminhada por estradão é sempre chata. Passamos a ponte sobre o Ribeirão das Pedras, dobramos na bifurcação que leva a cachoeira e por volta de 11:30 já estávamos cruzando a pequena ponte de madeira sobre o Córrego dos Cristais.


Domingo de Sol, cachoeira de fácil acesso com carro, proximidade de centro urbano... mas parece que as águas geladas do córrego não costumam atrair muitos visitantes de Diamantina e região. O movimento na cachoeira era considerável, mas não estava lotada. Deixamos a cargueira a sombra e partimos para um excelente banho na Cachoeira dos Cristais, com direito a dois saltos do alto da última queda d’água.



Depois de uma hora aproveitando as águas do Córrego Cristais, voltamos a caminhada, para cumprir o último trecho da travessia. Pegamos uma trilha em direção a parte alta da cachoeira e interceptamos um outro trilho mais batido, que seguia meio que paralelo ao córrego (mas afastado dele) em direção a um capão de mata. Entramos pelo trecho mais fechado e, no meio dele, saímos à direita, por um trilho discreto em direção ao córrego. Atravessamos o Córrego Cristais uns 100 metros acima da cachoeira, sem molhar as botas. Do outro lado, uma trilha suja, aparentemente pouco utilizada, seguia.


Começamos uma longa subida, de aproximadamente 4km pela Serra dos Cristais, um trecho com pouquíssima sombra. No meio da subida, uma surpresa: aparentemente uma nascente teve o curso desviado em algum ponto e a água começou a descer pela trilha. Foram mais de 100 metros caminhando em meio a água, tentando não escorregar ou encharcar a bota. Um ipê amarelo foi o colírio para nossos olhos, já acostumados àquela variação branco-cinza-verde dos campos rupestres e cerrados.


Duas horas após deixarmos a cachoeira, com direito a uma boa parada para lanche/descanso, chegamos ao ponto mais alto da travessia: 1.431m, Serra dos Cristais. Dali em diante o relevo se estabilizou e deixamos as trilhas sujas para caminhar em trechos mais limpos ou de estradinha. Passamos pelo último ponto de água da travessia e saímos em uma estradinha de terra, mas logo deixamos o caminho de carro em detrimento de uma trilha batida que seguia à direita, que nos pouparia em algumas dezenas de metros. Cruzamos uma primeira estradinha, quando chegamos a segunda, começamos a seguir por ela, à direita. Era o Caminho dos Escravos, antiga rota de ligação entre Diamantina (sede) e Mendanha (distrito).


Passamos por antenas de celular, civilização chegando. A descida começou ligeira e, logo, ficou mais pesada, já tínhamos a visão de uma boa parte de Diamantina no horizonte, com o Pico do Itambé em segundo plano. Belíssima tarde.


Chegamos a cerca, na beira da BR-367, as 15:38. A van já nos esperava do outro lado da estrada, numa área em que era possível parar com segurança. Mal tivemos tempo de aproveitar a vista final da travessia, depois de um gesto o motorista entendeu que era pra pegar o grupo na saída da trilha e desceu com a van, parando no meio de uma descida sem acostamento, um pouco antes da curva.... enquanto um caminhão carregado de toras de madeira descia, não tivemos tempo de fazer muita coisa, só jogar tudo pra dento da van e sentar onde tivesse jeito, assegurando de que nada ficou pra trás.



Passada a correria, paramos pra comer, trocar de roupas e relaxar um pouco em um dos postos com restaurante na saída de Diamantina. Deixamos a cidade por volta das 17:30 e a viagem de volta foi tranquila até BH.


Neste dia caminhamos 17,1km.


DICAS E INFOS:
São João da Chapada x Diamantina é uma fuga das tradicionais rotas de trekking. Conta com as sempre belas paisagens do Espinhaço, além de rios e cachoeiras que convidam o caminhante para um banho refrescante. Há boa oferta de água pelo caminho, mesmo nos períodos de seca (a travessia foi feita em setembro, auge da estiagem), além do clima, que costuma ser agradável em boa parte do ano (nem frio, nem calor).


Do ponto de vista técnico, é uma caminhada que exige pouco. O mais importante aqui é ter o mínimo de preparo físico, já que o último dia de caminhada, normalmente mais desgastante, envolve muitas subidas, embora nenhuma seja muito acentuada. Para os que tem disponibilidade de tempo, é possível integrar essa travessia com o restante do Caminho dos Escravos e com o trecho São João da Chapada x Santa Bárbara (Trilha do Algodão), perfazendo quase 100km de caminhada, cruzando a Serra do Espinhaço de leste a oeste (Diamantina a Santa Bárbara, distrito de Buenópolis). O roteiro escolhido, partindo de São João da Chapada, conta com o relevo um pouco mais favorável. A diferença entre declives e aclives é pequena, de apenas 53 metros.


A rota é uma boa escolha praqueles montanhistas que não dispõem de muito tempo, já que cabe perfeitamente em dois dias, um final de semana comum; e representa bem o que é a Serra do Espinhaço, suas histórias e incontáveis caminhos.


O trajeto passa por algumas propriedades privadas, pede-se que o caminhante seja discreto ao cruzar essas áreas.


COMO CHEGAR:
Fomos e voltamos em uma van contratada, éramos cerca de 10 pessoas. Praqueles que não tem como fretar o transporte, ainda há solução: desde BH, é preciso pegar um ônibus Diamantina, trajeto feito diariamente em diversos horários pela viação Pássaro Verde. Em Diamantina, é preciso pegar um coletivo pra São João da Chapada, ou então seguir de carona ou táxi.

O fim da travessia é nas margens da rodovia BR-367, local com sinal de celular. De lá é possível chamar um táxi ou, pros mais animados, seguir mais uns quilômetros caminhando, encerrando o trajeto pelo Caminho dos Escravos (Diamantina x Mendanha).

Nenhum comentário:

Postar um comentário