19/05/2018

PN Chapada Diamantina: Cachoeira do Mixila

A Cachoeira do Mixila é considerada um dos mitos da Chapada Diamantina, de beleza singular e acesso relativamente difícil, o que impede a visitação em massa ao local e acaba por manter essa aura de lugar “intocado”.

Powered by Wikiloc

Em um final de semana de abril fiz o roteiro clássico de trekking até o Mixila, com pernoite em acampamento natural e visita a outras cachoeiras do Rio Capivari. O relato detalhado vem a seguir.

1º dia: Comunidade da Capivara x Cachoeira do Poção

Dias antes da travessia combinei com André, amigo e guia em Andaraí, que ainda não conhecia o Mixila, e que seria meu companheiro nessa jornada. Saímos de Andaraí numa manhã de sábado, ele conseguiu carona até o Rio Roncador e depois andou cerca de 7km até a comunidade da Capivara, já no município de Lençois. Eu segui de moto algumas horas depois que ele saiu, fui pela Trilha do Garimpo (Andaraí x Lençois) até a comunidade da Capivara, levando as cargueiras. Deixei a moto dentro de uma das propriedades que existem no local, com autorização do responsável, bem próximo ao início da trilha.

Depois dos ajustes finais nas cargueiras, começamos a caminhar às 11:11 de uma manhã ensolarada e com algum calor. A trilha tem início próximo a umas casas da localidade, cruza um riachinho, margeia uma cerca e segue por uma ligeira subida em meio à mata. Em menos de 800 metros de caminhada chegamos a um portãozinho azul, por onde entramos. Adiante uma pequena construção de pau a pique e um fogão a lenha a todo vapor, era uma pequena roça de bananas e outras coisinhas no pé da Serra do Bode. Apesar da lenha queimando, não vimos ninguém no local.

Já no topo da Serra do Bode, com visual para o Córrego Piçarras

Seguíamos em ligeiro aclive e a mata ia ficando cada vez mais escassa, numa transição para os campos rupestres/caatinga característico dessa face da Serra do Sincorá. Passamos pelo primeiro e único ponto de água existente antes do fim da subida, com cerca de 20 minutos de caminhada.

A trilha segue em ligeiro aclive, cruzando lajeados e remanescentes do garimpo de serra, que são os montes de cascalho, chamados de “entueira”. Esses montes são bem característicos dessa região, numa faixa que vai do distrito de Igatu até Lençois, mostrando um pouco da magnitude do garimpo na Chapada Diamantina.

Depois de 1.6km, passamos por uma grande erosão, que engoliu parte do caminho. A trilha que, até então, seguia no sentido sul-sudoeste, agora dá uma guinada para oeste, dando início à parte mais acentuada da subida do Bode. O aclive é uma espécie de rampa, que segue em linha reta serra cima, com inclinação considerável. Em 1.200 metros saímos dos 445 de elevação e fomos para os 676, numa subida que levou quase 1h, considerando uma boa parada para descanso numa toca de garimpeiro que há quase no fim do aclive.

Quase no fim da subida, em um lajeado, tomamos à esquerda no que aparentava ser uma bifurcação discreta. Logo começamos uma breve descida e saímos em um rego de garimpo. Este trecho pelo rego tem início com o Córrego Piçarras bem distante e bem abaixo do nível em que estamos caminhando, mas com a distância ele vai ficando cada vez mais perto, até chegar a um inevitável encontro. E providencial!

Às 13:05, depois de percorrer 4.2km, fizemos uma parada para recompor as energias e amenizar um pouquinho do calor, que estava forte. As águas do Córrego Piçarras estavam especialmente agradáveis e convidativas para um banho, mas ainda tínhamos muita coisa pela frente.

Depois de mais de 15 minutos de descanso, retomamos à caminhada e continuamos pela trilha batida, que vai se aproximando cada vez mais do córrego, até o momento em que passa tangenciando o Piçarras numa curva de rio. A partir deste ponto a trilha se afasta do Córrego Piçarras e vai se aproximando do Rio Capivari.

Capivari

Em um trecho de cascalho vermelho passamos por algumas valas e chegamos a uma bifurcação. Já ia seguindo pela esquerda, quando pensei melhor e percebi que o caminho da direita era um pequeno atalho em direção à cachoeira Capivari. Os dois caminhos estavam bem demarcados, embora o da direita parecesse pouco menos utilizado. Por ele seguimos e rapidamente chegamos a um outro rego de garimpo, próximo a uma área interessante para acampamento, embora um pouco distante da água. Como faríamos somente um ataque ao Capivari e retornaríamos pela mesma trilha, deixamos a mochila nesta área de acampamento. Pelo adiantar da hora nem nos demos ao trabalho de escondê-las em algum canto.

Retornando ao rego, seguimos descendo, basicamente no rumo norte, por uma trilha consolidada. Adiante há uma bifurcação importante: à esquerda a trilha segue descendo para o Capivari; à direita a trilha segue em nível, para depois descer até o vale do Capivara, onde é possível seguir para a Cachoeira da Fumaça por baixo e Palmital.

Seguimos em direção ao Rio Capivari, em declive moderado até encontrar o leito. Daí continuamos descendo pela direita até chegar ao topo da cachoeira. No ponto em que fiquei não dava pra ver muito o poço inferior, mas pude apreciar o belíssimo vale do Rio Capivari até o encontro com o Capivara e os capões de mata do Córrego da Muriçoca, nas encostas da Serra do Veneno.

Do topo da cachoeira seguimos para a esquerda e tomamos a trilha que vai ao poço. A descida é bem íngreme em alguns pontos, com degraus grandes que exigem atenção na descida e apoio das mãos na volta. Chegamos ao leito do rio e subimos por algumas dezenas de metros pulando pedras até chegar ao poço, onde chegamos às 14:07. O tempo estava ótimo e o sol iluminava bem o local, então não foi muito difícil se render ao banho de rio. A água do Rio Capivari, por sua vez, estava bem refrescante.

Ficamos por cerca de 1h30 no local, até que o sol parou de iluminar esta parte do vale. Retornamos até as cargueiras e, de lá, seguimos a trilha sem paradas por 1.5km até o Poção, que seria nosso acampamento. A trilha segue por um rego de garimpo até começar a descer em direção a um pequeno vale, por onde corria um pouco de água. Ao chegar neste riachinho duas decisões podem ser tomadas: cruzá-lo e seguir por uma trilha que soube do outro lado, para sair direto em algumas áreas de camping; ou descer pela drenagem até chegar ao Poção. Como já batia na casa das 16:00, seguimos a primeira opção e fomos conhecer nosso acampamento.

8 minutos após cruzar o riachinho chegamos ao camping, composta por pequenos descampados na margem do Rio Capivari. Embora a próxima ao rio, as áreas da margem direita (de quem desce o rio) estão cerca de 2m acima do nível normal da água, o que não preocupa em caso de uma cabeça d’água (tromba d’água). Acomodamos as barracas do jeito que deu no pequeno espaço e fui tomar aquele banho esperto.

Neste dia caminhamos 7.2km.

2º dia: Poção x Mixila

A noite foi com poucas nuvens e bem estrelada, o que rendeu algumas fotos. André acordou mais cedo e foi logo explorar o rio. Enrolei um pouco na barraca e quando saí ele já estava com tudo desmontado e mochila pronta. Pelo menos minha barraca é rápida pra desmontar rs.

Uma conferida no Poção antes de partir

Depois do desjejum e de arrumar as coisas, entocamos as cargueiras no mato e demos início ao ataque à cachoeira do Mixila. Sob um céu com algumas nuvens e um sol tímido saímos do acampamento, um pouco antes das 09:00.

A trilha segue sempre à esquerda do rio Capivari (esquerda de quem sobe), com saída do acampamento um pouco confusa, mas fácil a partir do momento em que chegamos a um rego de garimpo. O caminho é bem demarcado e sem obstáculos, no interior de um capão de mata. Fui andando na frente e, numa pisada, vi que um pequeno galho que estava no chão se mexeu. Achei estranho e olhei pra trás, pra ver do que se tratava. Pra minha surpresa uma cobra espada estava junto do galho, muito provavelmente passei por cima dela e nem cheguei perto de ver. Rapidamente ela subiu por uma muretinha de pedra que acompanha a trilha e se embrenhou na vegetação.

Depois desse encontro inesperado passei a prestar mais atenção no chão, mas isso não evitou outro encontro inesperado rs. Andava em passadas rápidas e, mais adiante, quando olhei para meus pés, tomei um baita susto ao ver que uma cobra já se enrolava na minha bota. Mesmo prestando atenção no chão não consegui ver a bendita cobra! Pra minha sorte era outra cobra espada, no susto dei uma carreira e a cobra se desenrolou, ficando para trás.

O fato é, caminhávamos numa “trilha suja”, com muitas folhas e serragem no chão. A cobra espada é exatamente da cor do lugar em que pisávamos, mesmo prestando atenção não consegui enxergar. Mesmo com o susto continuei mantendo o ritmo, com um pouco mais de cautela.

Cânion Capivari

O rego de garimpo termina e a trilha continua ora pelo leito, ora por trilhas marginais, quase sempre pela esquerda do rio. O cânion vai se estreitando e passamos a pular algumas pedras, pra evitar tirar a bota. Uma cachoeirinha despencava pela parede à direita do rio. Depois de percorrer 2.2km em 39 minutos, chegamos a um poço comprido, numa parte bem estreita do cânion. A extensão aproximada era de uns 20 ou 30 metros, com uma pequena queda d’água do outro lado do poço. Pelas laterais não tinha nenhuma passagem possível que não envolvesse escalada ou boulder, então tratamos logo de tirar as botas e guardar alguns pertences.

Não havia levado muita coisa, somente câmera, GPS e o Spot, além de uma barrinha de cereal. Deixei o GPS junto a bota, já que dali pra frente não há qualquer dificuldade de navegação e a recepção do aparelho estava comprometida com aquele cânion estreito. Segui somente de sunga, mas André ainda levou uma mochilinha rio acima.

Depois de cruzar esse primeiro poço nadando, subimos pelos degraus da pequena queda d’água e passamos a caminhar por um lajeado. Logo chegamos a um outro poço, menor que o primeiro e em uma área mais aberta. Fui pulando algumas pedras até me posicionar num local em que a natação seria um pouco mais curta. Rapidamente André me chamou atenção para uma outra cobra espada, que tomava um banho de sol entre as rochas emersas do leito. Atravessamos o poço, em aproximadamente 10 metros de natação. Do outro lado fomos subindo pela rochas do leito e passamos a caminhar em uma área um pouco mais aberta.

A caminhada se desenvolve em bom ritmo e logo o Mixila dá as caras no fundo do cânion, ainda de forma discreta, mas impressionante. Um pouco antes de chegar no poço do Mixila é preciso subir por outra queda d’água, aproveitando os degraus do leito. Enfim, Mixila! Cachoeira belíssima, maior do que imaginei. Estava com uma vazão de água ótima, com direito a uma cachoeira auxiliar à esquerda da queda principal. Poço excelente para banho e água em temperatura refrescante.

Desde o 1º poço, onde atravessamos nadando, são aproximadamente 600 metros até a cachoeira, percurso que levou cerca de 20 minutos. Chegamos ao Mixila às 10:10, um horário que o sol não iluminava o fundo do cânion, mas incidia direto na queda principal, tornando o local ainda mais magnífico.

Embora belíssima a cachoeira, depois de um mergulho, ficar parado na sombra de um cânion pouco iluminado não é das melhores sensações. Como na cachoeira do Buracão, o frio aperta e é preciso voltar para a luz rs.

Mixila

Depois de curtir um bocado o local, começamos o caminho da roça. Era hora de retornar à Andaraí. A volta foi em bom ritmo, sob um sol de rachar mamona. Até que aquele microclima agradável do cânion faz falta…

Por volta das 15:00 retornamos à comunidade da Capivara, onde pelo menos eu finalizei a caminhada. André ainda teria que retornar a pé para Andaraí, mas depois acabou conseguindo uma carona antes da metade do caminho.

O deslocamento entre o acampamento e a cachoeira do Mixila foi de aproximadamente 2.8km.
Neste dia caminhamos 11.3km.

DICAS E INFOS:

A cachoeira do Mixila, Capivari e Poção estão inseridas no Parque Nacional da Chapada Diamantina, com acesso livre e gratuito. Não é necessário qualquer tipo de aurorização para realizar este trekking.
A trilha, em grande parte, possui dificuldade técnica moderada, mas devido ao trecho pelo interior do cânion do Capivari, inclusive com trechos vencidos somente através da natação, classifico esta trilha como de alta dificuldade técnica. Ainda assim, pessoas com experiência em montanhismo E com habilidades natatórias não terão muita dificuldade. O esforço físico é moderado em grande parte da rota, sendo o trecho mais exigente a subida da Serra do Bode.

É extremamente importante e indispensável para esta trilha saber nadar. Se você não sabe nadar ou não nada tão bem, recomendo o uso de coletes salva-vidas.

Não há qualquer ponto de apoio ao longo da trilha e o acampamento é no estilo natural (ou “selvagem”). Se você não tem experiência nessas atividades, é recomendável a presença de um guia local ou de alguma pessoa que tenha essa experiência. Na descida da Serra do Bode há sinal de telefonia móvel (todas as operadoras).

Boa disponibilidade de água pelo caminho, esta não é uma preocupação. No mais, recomendo este roteiro, com Capivari e Poção no primeiro dia e Mixila na manhã do segundo. É possível conhecer o Mixila num bate-volta, mas é quase certo que será preciso abrir mão das outras cachoeiras, que também são interessantes. Caso tenha tempo e equipamentos, faça em dois dias.

LOGÍSTICA:

O trekking tem início na Comunidade da Capivara, que pertence ao município de Lençois e está nos arredores do mesmo, a 8km do centro. Este deslocamento é feito por uma estrada de terra em condições de medianas a precárias. O mais correto é fazer o deslocamento em veículo 4x4, moto, bike ou a pé; carros de passeio eu garanto somente até o Rio Ribeirão, a cerca de 5km da Capivara.

Para quem sai de Andaraí, uma opção é fazer o trajeto pela Trilha do Garimpo ou Trilha do Roncador, a estrada velha que liga Andaraí a Lençois. A estradinha é bastante precária após o Rio Roncador, sendo recomendado o acesso somente a pé, de bike ou moto. Veículos 4x4 podem ter muitas dificuldades e a distância economizada acaba por não compensar o tempo perdido na trilha. A comunidade da Capivara está a 23km de Andaraí.


Como o retorno é feito pelo mesmo caminho, a logística não é tão complicada.





Nenhum comentário:

Postar um comentário